Por, Ana Jácomo
' É preciso coragem para terminar uma história de amor. Coragem para lidar com a dor e ainda assim acreditar na própria habilidade para seguir confiante pela vida, mesmo com uma cicatriz a mais. Coragem para chorar muito, chorar tudo, e ainda assim crer no tempo do sorriso novo. Coragem para dilacerar, a sangue frio, sem promessa de anestésico, o sonho acalentado de ter aquele bem-querer ao nosso lado. O sonho de, ao final do dia, por incontáveis dias, aconchegar-se no abraço bom do outro, maravilhado por sentir que não existe no mundo outra maneira de se dormir tão gostoso. O sonho de acordar junto nas manhãs em que se acorda ensolarado e naquelas em que se acorda chuvoso, mas acordar pertinho. O sonho de ver os cabelos embranquecerem, as mãos envelhecerem, a pele tornar-se cada vez menos viçosa, e, ainda assim, enamorar-se novamente a cada outro olhar.
É preciso coragem para terminar uma história de amor. Coragem para atravessar tempestades terríveis, desertos intensos, noites imensas e, ainda assim, seguir. Mesmo doendo. Mesmo cansando. Coragem para aquietar o próprio coração e lhe dizer que vai passar, quando, na verdade, a gente não tem a mínima idéia de quando nem se vai. Coragem para continuar habitando um corpo que é um campo minado, onde qualquer movimento faz explodir a memória dos sentidos, e com ela o desejo. Coragem para continuar olhando para a vida com olhos saudosos que teimam em encontrar o amado nas coisas mais improváveis e nos momentos mais imprevistos.
É preciso coragem para terminar uma história de amor. Coragem para ouvir do outro, com ou sem palavras, que o que demos foi pouco, quando o tempo todo a gente sentia dar o melhor. Coragem para se desapegar dos códigos, dos hábitos, dos truques inventados. Da ludicidade. Das seduções. Do texto. Da trilha sonora. Dos efeitos especiais. Da intimidade. Coragem para agradecer mais o encontro do que lamentá-lo. Para bendizê-lo. Para abençoá-lo. Para não se tornar mais um pessimista comum que depois de se deliciar com o banquete, afasta-se da mesa reclamando do tempero.
É preciso coragem para terminar uma história de amor. E por mais que machuque, entristeça e dilacere, chega um momento em que a gente sabe que não há outra alternativa, senão ter coragem para baixar as armas cansadas. Para anunciar o cessar-fogo. Para hastear bandeira branca. Para parar de brincar de vítima e algoz. De gato e rato. De queda de braço.
É preciso coragem para retomar a própria vida. Para reaprender a estar consigo mesmo. Para se permitir começar tudo de novo, quando o novo vier. Para não se fechar o coração à perspectiva de que aconteça essa que é uma das melhores dádivas: amar e ser amado, olhar e ser olhado, ao mesmo tempo.Amar é um desafio dos grandes e dos bons. Pede que a gente cresça junto e leve luz a um monte de sombras. Às vezes, a gente consegue; outras, não. Uma história de amor é coragem de dois. '
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