terça-feira, 8 de junho de 2010


'Estou aprendendo com a noite. Dá sempre para encontrar a luz de dentro, quando a luz de fora se apaga. Estou aprendendo com as manhãs. Que elas esperam pacientemente, para que eu aconteça. Estou aprendendo com os rios. A me deixar levar pela correnteza das águas, sem temer a queda livre das cascatas. Estou aprendendo com as chuvas. Que sem aviso, despencam dos céus e lavam minha alma, revigorando-me as forças. Estou aprendendo com os raios. Que riscam a Via-Lactéa, para que ela não perca a magia. Estou aprendendo com os trovões. Que ribombam nos céus, para provar que algumas coisas ainda me assustam. Estou aprendendo com o silêncio. A descartar as coisas ruins, para que elas não voltem a me machucar como antes. Estou aprendendo com as crianças. A correr de um lado para o outro uma porção de vezes, com um sorriso incansável no rosto. Estou aprendendo com os idosos. A não ter a cabeça baixa, porque meus ossos não estão presos num corpo velho, e sim na elástica infantilidade da alma. Estou aprendendo com os meus pais. Que às vezes se afastam para que me possam ver chegar ao alto. Estou aprendendo com as rosas. Que não preciso destruir o jardim de dentro de mim, se eu aguardar o tempo certo para florescer. Estou aprendendo com as pedras. Que se fazem de chão para que eu possa andar em cima. Estou aprendendo com as quedas. Que é possível levantar sozinho, com a intensidade de quem se pertence. Estou aprendendo com a tristeza. A reconhecer o sorriso que se arrasta pelos cantos da boca. Estou aprendendo com as navalhas. A iluminar seus fios e afastá-los da minha garganta. Estou aprendendo com o tempo. A esquecer o cheiro que tinha o perfume do ressentimento, quando vendi minha alma a prestações que o outro não podia pagar. Estou aprendendo com a solidão. A não me trancafiar no calabouço da indiferença, só porque as coisas não saíram como eu esperava. Estou aprendendo com as guerras. A estender a mão completamente coberta de sangue, para pedir de joelhos que larguem as armas. Estou aprendendo com os erros. Que ao me ver, balançam a cabeça e pedem em silêncio para que eu me recomponha. Estou aprendendo a ter coragem. Me livrando de tudo o que me faz mal, e levando na algibeira da alma, só o que eu possa carregar. Estou aprendendo a aceitar. Que a vida sabe alguma coisa de nós, que nem nós próprios descobriremos. Estou aprendendo com os pássaros. A arriscar um vôo, sem pedir licença, mesmo com as asas estraçalhadas. Estou aprendendo com os ventos. A mudar o rumo, sem qualquer explicação. Estou aprendendo com as estradas. A seguir em frente, e deixar que os caminhos me escolham.'
Pipa

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